O principal enfoque desta obra é chamar a atenção aos jogadores para as ferramentas que usamos na execução da ‘manobra forçada’ ou seja, uma espécie de fisiologia da tática. Usamos ‘manobra forçada’ entre aspas para realçar o fato de ela ser a força motriz atrás de toda a ‘combinação’ ou movimentação tática no xadrez. Novamente as aspas, porque o conceito de ‘combinação’ é subjetivo. Não há uniformidade entre os enxadristas no que podemos chamar de combinação. Para um número muito grande de jogadores é necessário que haja o elemento do sacrifício, ou seja, a entrega de material para um posterior sucesso, seja em forma do mate, seja em forma da recuperação do material investido.
Sou mais simpático à corrente que compreende a ‘beleza’ de uma combinação, principalmente por seu conteúdo ‘estético’. De novo aspas, pois ‘beleza’ e ‘estética’, também são conceitos subjetivos e elas dependem da sensibilidade do interlocutor. O que é ‘belo’ para um, não é necessariamente belo para outro. O ‘belo’ dispara emoções naquele que assim o vê. O conceito depende muito do grau de conhecimento de quem é atingido por ele e da fase histórica em que se encontra a atividade, neste caso o estado de evolução do xadrez.
Como exemplo ilustrativo, podemos citar a Escola Romântica do Xadrez, cujo auge ocorreu na época de Anderssen e Morphy, quando ganhar não era suficiente. Era necessário ‘ganhar bonito’! Apesar dessa escola ainda produzir alguns súditos extemporâneos espetaculares – me vem à mente Mikhail Tal e Alexei Shirov, ambos, por coincidência, oriundos da Letônia, em eras mais pragmáticas a necessidade do resultado prevalece e a vitória tem clara precedência sobre a beleza. Para o leitor brasileiro temos uma analogia muito significativa com o futebol: é preferível a espetacular seleção de Zico e Sócrates de 1982 ou a feinha de 1994 do ‘sargento’ Dunga? A construção da frase já trai que sou um romântico incorrigível: ficarei sempre com a primeira!
No entanto a combinação que uma vez despertou tantas emoções pode tornar-se corriqueira e a sua beleza envelhece. Já se falou que o primeiro poeta que associou a rosa com o amor era um gênio; o segundo que assim o fez, um completo idiota. Exageros à parte, a evolução de uma atividade e de seus adeptos, traz mudanças consigo e apura o conhecimento, modificando a sensibilidade estética. Vale uma ressalva: quando o xadrez passa a ser praticado de forma competitiva, o ego embrutece a sensibilidade artística e, sim, mesmo a mais surrada ‘combinação’ lhe traz muita satisfação.
Numa noite agradável em Seattle, com um copo de bom vinho na mão, o grande mestre Yasser Seirawan tentou me convencer da necessidade da existência do sacrifício para que possamos usar a palavra combinação. Não chegamos a um acordo, pois continuo achando que uma manobra forçada sem sacrifício ou uma situação de ‘zugzwang’, podem trazer tantas emoções quanto uma combinação com sacrifício, mas, evidentemente, respeito a sua posição.
Deixando a semântica de lado, é muito claro que a combinação, tanto com ou sem sacrifício, sempre vem acompanhada ou começa com uma manobra forçada.
A definição de ‘Manobra Forçada’ e as Ferramentas
O que é força? São basicamente dois fatores: a força bruta e a necessidade da manutenção de certo equilíbrio material. E são quatro as ferramentas que induzem à manobra forçada. Em realidade, três mais uma. As mais comuns são o xeque, a ameaça e a captura. O quarto, um capítulo à parte, é o ‘zugzwang’, que aportuguesamos nesta obra como zugue. O xeque e a ameaça de mate a curtíssimo prazo são os principais elementos da força bruta. Ameaças de outro caráter e as capturas encaixam-se mais na segunda categoria. Não é difícil deduzir que as duas categorias são limítrofes e às vezes se confundem.
Herman